sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Defasada

Sempre mando alguém embora
Depois que já não quer mais ficar
E quando falo: tudo bem, volte
Já levaram tudo e não há porque voltar
Estou sempre defasada
E de portas abertas
Desarmada
Quando lembro do perigo
É tarde
Não há mais o que roubar
Mesmo a indignação
Que me toma nestas horas
Parece um grande desacerto
Sem razão de ser
A questão é que
Não me pertenço
E se é assim
Não tenho o que perder.
O melhor que podemos dar um ao outro
É nos bastarmos a nós mesmos.
O que pereniza um encontro
É a lucidez do sentimento
Que aceita todo o dia
A possibilidade da distância.

Análise estrangeira sobre o problema do Brasil

O problema do Brasil é a diversidade:
fosse só branco
Só negro
Só índio
Fosse só
Se o deixassem ser só
Mas não
Quis ser grande
E agora
Não vê seu norte
Sabe dançar
Mas, ah!
Dançar baião?
Minueto não?
O problema é que o Brasil não é clássico
O Brasil não é... clássico.
Lamenta-se de sua sorte
E mesmo que não saiba bem ao certo
Do que se trata
Acha que o problema é esse.
Mas o problema do Brasil
É a diversidade
Pobre país confuso
Cafuso, cafuso
Que fazer com tanta morenez?
Diverso demais
Repleto demais
Mas ninguém diga pra ele,
Não digam em tempo nenhum,
Que mais vale ser difícil e complexo
Do que repelir a sua maior riqueza
Ou seja, a diversidade!

Mulheres

Procuras a Madalena arrependida?
Largastes Amélia num canto de tua vida?
Morrestes de medo da Olga acusativa
Caístes dos braços da perfeita Diva?
Pensastes que Eva era o princípio?
E que Helena, Helena
Deus te livre dessa pena?
Maria, virgem que não será tua
Talvez Emanuelle nua?
Marina pintou a cara
E pelo sim pelo não
É melhor quevoltes correndo
Para Conceição
Quem trará pra mim à vista
As emoções que engoli ontem no almoço
E as palavras perdidas entre um silêncio e uma hipocrisia?
Quem me resgatará a melodia,
O assovio da canção perdida em meu peito comportado
De homem urbano?
Virei um cosmopolita mudo
Mudo mudo
É por isso que choro por Mozart
Caetanos me dão taquicardia!
Também, qualquer esforço cansa
Minha paralisia virtual.
Não sou eu quem toca o surdo
No meu próprio carnaval!
Traga-me por favor um dicionário
Para traduzir inércia em sons
E um comprimido forte pra dormir
Pois vou chorar de novo ao ouvir
O seu baião!

Não sofra, minha alma!



Mergulha, minha alma, no nada
Os mil nadas de uma desavisada vida.
Chega de lutar por achar-se.
Fica estendida numa pedra:
A filosofia dos lagartos
É mudar sempre de cor.
Seja então uma rocha
Um galho
Ou uma folha.
Só não sofra, minha alma!
A dor dos "muitos", dos "tudo", dos "tantos".
Seja nada com tanto prazer,
Que a vida desistirá
De te dar um nó.

Meu amor inocente

Meu amor só entende o que faz sentido.
Tão inocente, o meu amor.
Precisa de versos que rimem
e de tirar a prova dos nove.
Sua frase é repleta de começos, meio e fim,
Meu amor sonha com mitos
Acorda,
Põe seus chinelos
E lê o jornal.
Meu amor é tão real!
Sempre chora com meus desatinos
E confunde-se com os silêncios de nosso diálogo.
Meu amor é tão puro
Que tenta adornar o nosso desencontro...
Só quando meu amor me beija
É que somos matematicamente
Um!

Textos antigos

Vou explodir.
Não, não me impeça.
Quero ser mil pedaços
e em cada um uma história
Um lançe de sorte
Um golpe do azar.
Não quero ser um.
Me recuso a essa pobreza
Diante de tanta diversidade.
Deixa que eu me vá
Em mil
Em um milhão.
Nâo me lamente
Que eu não sou de lamentar
Nasci para explodir
E então multiplicar.

Proust

"As vezes uma idéia toma conta de mim:
começo a escrutar longamente o corpo amado. Escrutar quer dizer vasculhar:
vasculho o corpo do outro, como se quisesse ver o que tem dentro, como se a causa mecânica do meu desejo estivesse no corpo adverso - pareço estes garotos que desmontam um despertador para saber o que é o tempo..."

Letra de música

Música Nenhuma
(MariMari)
Quando sinto dor tamanha, canto
Se a solidão me encanta, finjo
Me escondo atrás da nuvem de fumaça
E fico nua, mas ninguém me vê.
Quem há de ouvir senão seu próprio canto?
Quem há de fingir outra solidão
Que não a sua?
E qual mão vai abrir a cortina
E ver-me dançar ao som
De música nenhuma?

Manoel de Barros

A voz de meu avô arfa. Estava com um livro debaixo dos olhos. Vô! o livro está de cabeça pra baixo. Estou deslendo.

Série Textos antigos

Quadro impressionista



Eu escutei imagens
Em seus olhos mudos
Eu estendi um gesto em sua direção
Achei que era gesto
O tremor de sua mão

São sempre tristes
As manhãs seguintes
Em que vejo claro
O que não existe

O que aconteceu
É que a poesia
Pintou um quadro
E era bem impressionista

Não foi você que eu vi
E nem seus olhos me olharam
È que sempre sonho realidades
Depois acordo as desilusões

Série: Textos antigos

Carta de Adeus


Tuas palavras
Me vieram longíquas
Cruas como o ponto final numa carta de adeus.
Tuas palavras...
Uma sequência incrível de cortes em minha alma...

Como posso suportar todas essas frases
Que incessantes voltam ao meu ouvido?
Tuas palavras
Saíam de ti, tão tuas
Como se fosse natural dizer:
Não te quero!

É estranho que eu fique à espreita
Sugando as palavras
Letra por letra
E elas chicoteiam minha cara
Que é pra ver se eu consigo
Viver bem sem palavra alguma.

Série "Textos antigos"

Eu quero minha vida de volta.
Quero toda ela, que trancada está em minha garganta.
Quem me impede de deixar voar meus fantasmas boca à fora?
Quem proíbe rasgar meus ódios
e jogá-los em setas venenosas ao vento?
Quero todos os meus gritos.
Todos os impropérios de anos à fio!
Vomitá-los todos
Na cara dos que me olham e nada vêem
(não querem ver, dizem não ver).
Pisar à garganta dos leões famintos
Que me devoram
E não perdoam minha ternura.
Quero chutá-los de minha vida com tal ira
Que sejam expulsos do mundo, da órbita, do caos...
Vou negar-lhes até o nada
E riscar-lhes da memória.
E depois,
Saciado todo o meu desejo de gritar,
Vou guardá-los junto ao pó inútil
Das histórias perdidas para sempre.

Manoel de Barros

Sou um sujeito cheio de recantos.

Os desvãos me constam.

Tem hora leio avencas.

Tem hora, Proust.

Ouço aves e Beethovens.

Gosto de Bola-sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim."

Procura-se um poeta

Um poeta.
Procuro um poeta.
Não se pode mais falar aos homens.
Enquanto falamos eles olham nossas... bem.
Não se pode mais falar.
Quero conversar de lua e cavalheiros andantes.
Só poetas falam a linguagem das abelhas.
Eles têm o mel...
Eles têm as flores que ainda vão nascer!
Quero contar que sonhei
E no meu sonho éramos namorados
E estava tudo dito nos olhos.
Amávamos nossos corpos
Trocávamos nossa alma
porque assim deve ser.
NO meu sonho
Éramos água morna no centro da Terra...
Sabe?
O dia nasceu lá fora.
Faz tempo que acordei e continuo sonhando.
Será que poetas existem?
Para ele eu abriria meus olhos no meio da noite
E o veria dormindo.
E quando acordasse, pela amanhã.
Teria muito amor para oferecer...

Só os poetas amam
Quando o sol dispara a ordem de viver.
Só os poetas não se importam
Em brincar de Romeu e Julieta
Segunda-feira de manhã...

Pó de estrada

Te aproveitarás de minha inocência
Até que eu compreenda a hora do não
A hora do fim
O adeus para nunca mais

Depois serei pó de estrada em teus olhos
Daquele que ninguém vê
E nem pode deter
Mas que faz chorar

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Pele Viva

Pele viva

Abro mão de reter
Corpos estranhos
Que não são meus
Abro mão de parecer
Que sou um deus

Caia essa pele maquiada
Que não sente nada
Quando a tocam
Tão esvaziada
Sem coração

Deixo vir à luz do sol
Minha fissura
A face oculta
Quente e rubra
Da escuridão

Nasça flor pequena
Exuberante ou louca
Mergulhe inteira no prazer
Do ser
Não ser

Hoje surja uma pele viva
Ácidos, fluidos
Borboleta
E num qualquer dia lindo
Que eu morra sorrindo