quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Cala a boca coração


Tanto muito para que?
Para escorrer no ralo das lembranças
Durante o crochê?
Para ter o que contar em segredo
Quando o cabelo branquear?

Tanto tudo para que?
Só para no futuro dizer
Que foi fora de lugar?

Isso tudo
Essa tanta coisa
Doida santa
Louca mansa
Para que?

Fez essa pergunta na frente do espelho
O que serei quando ficar velho?
O que sobrará do que cuspi diariamente?
Uma amarelada caderneta de poupança
Conquistada às custas da abstinência
Que ao final sorri saciada
Alimentada de um imenso desejo
Que morreu aos poucos e só

E o vestido vermelho
Cuidadosamente guardado para ocasiões?
Abasteceu a fome dos cupins
E agora só serve para certos fins
De pano de chão

Tanto tudo para que?
Para dizer
Ah cala a boca coração

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Adelia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.



Adélia Prado

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Hoje eu deitaria em seu colo por horas
Se não fosse tempo de partir
Se não tivesse que apressar
O relógio para o fim
Deitaria a cabeça em seu ombro
Para contar e ouvir histórias
Para lembrar memórias de nós dois
Se não tivesse mesmo que ir
Para o trem que teima em me levar
As malas prontas
A estação
O ponteiro tic tac
Tudo me dizendo vá
Porém hoje
Hoje em especial
Eu adiaria tudo
O começo e o fim
Para deitar entre suas pernas
E sonhar com mundos difusos
Em cujas línguas
Não existe a palavra
Adeus

Cantos

Caí de amores 
Pelos cantos 
Do coração 




Eliana Pichinine

Não estou mais aqui

Um arrepio
sacudo o corpo
mudam as palavras
tudo de novo
volta do ponteiro
tremor
o arrepio
mudam as palavras
rodar
um círculo inteiro
frisson
sai o sol
vai o sol
mudam as palavras
o arrepio
ciclo
soma
alma
onde tudo começou?
Não estou mais aqui
 
De onde viemos. Dançar dançar dançar

http://www.youtube.com/watch?v=OZcqABwDTrU&feature=share



O Brasil é uma República federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus.



Oswald de Andrade.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Anna Heller

No Espelho

Eu, que já sou várias
me transformo em infinitas
multiplico
misturo
me confundo com meu reflexo
me fundo
estico a mão
não sei se toco a mim
ou aquela outra
estranha.



(fui apresentada à essa poesia de Anna Heller por minha amiga Tati Titah Oliveira e achei muito linda)

terça-feira, 6 de setembro de 2011

"Cuidado.
O amor é um pequeno animal desprevenido, uma teia que se desfia pouco a pouco.
Guardo silêncio para que possam ouvi-lo desfazer-se.

BRITO, Casimiro de. "Cuidado. O amor". In: PEDROSA, Inês (org.). Poemas de amor. Antologia de poesia portuguesa. Lisboa: Dom Quixote, 2005. 
Achei esse poema lindo em:  
www.antoniocicero.blogspot.com
 
 

Mario Quintana



"...E que fique muito mal explicado.
Não faço força para ser entendido.
Quem faz sentido é soldado..."

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

desconexa




Me deito na cama
Meu corpo flutua
Levanto e faço um café
O pensamento sai de mim
Assim
Como um furacão
Leva a raiz
Com caule e tudo
Flores se espalham
Os frutos não sei

Faça alguma coisa
Por favor
Estou tão desconexa

Ando sem sono
Escrevo uma carta
Faço algum plano
Para o mês que vem
Para o fim do ano

Mas quando será amanhã?
Mas que dia é hoje?
Não sei
Não sei

Envio um sinal
Estou vivendo
Mas não sei qual vestido escolher
Ou como arrumar o cabelo
Me deito na cama
E meu corpo flutua
Ando tão nua
E não sou minha
Sua